sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Wiskow


Brigitte Bardot


Brigitte Bardot. Era isso. Brigitte Bardot. Quando jovem. Sim, quando jovem. Eu sabia. Aposto que ali ninguém sabia, ninguém havia pensado nisso. Todos os homens olharam, todos os caras viraram o pescoço. Era linda. Linda como uma francesa. Uma francesa com biquinho. Sim, ela fazia biquinho quando falava. Eu vi. Vi. Ela pediu um xis salada. Um xis salada completo; com carne, alface, ervilhas, milho, maionese e ovo. O cara da lanchonete chegou para fazer o pedido.


- Um Xis Salada - ela disse. Com biquinho, ela fez biquinho, parecia uma francesa, parecia Brigitte Bardot. Linda. Linda.


- Completo?- Sim, completo. Com ovo.


Com ovo, ela disse. Com ovo, disse ela com biquinho. Fez um lindo biquinho ao dizer a palavra. Uma palavra nunca se tornara tão bonita para mim. Os caras disfarçavam e olhavam. Eu também. Parecia uma visão, parecia não existir. Aposto que eles não sabiam. Ninguém sabia, apenas eu. Eu sabia, ela parecia a Brigitte Bardot. A cara, o focinho. O corpo. Ah, o corpo. Brilhava, parecia brilhar. Brilhar não. Iluminar, ela iluminava, era iluminada. Parecia uma visão. Parecia não existir. Beleza. Aquilo era beleza. Aquilo era A beleza. Atraía. Atraía os corpos ao seu redor. Atraía meu corpo. E fazia biquinho. Pediu uma Coca, com biquinho. Não tinha. Uma Pepsi. Vai de Pepsi. Fez bolinha. Era o gás. Eu sabia. As bolinhas subiram, ela bebeu. Os lábios, os lábio molhados, as bolinhas.


Dei uma dentada. Brigitte Bardot. Dentadas. Mordi meu xis. Xis Galinha. Ela gosta de bichinhos. O meu era sem maionese. Mordidas. Dei outra. Queria ela. Queria poder mordê-la.


- Salta um Xis Salada completo. Berrou o cara.


Com ovo, pensei. Com ovo. Ela agradeceu. Mordeu. Queria mordê-la. Olhos grandes, azuis, brilhavam. O cabelo também. Dourados, ondulados. Seu corpo, ondulado. Montanha. Queria subir em sua montanha, meter a cara ali. Sim, entre elas. Entre ela. Queria uma assim.


- Mais um refrigente - pedi. Já sei. Sim, pode ser. O meu também fez bolinhas. Ela engoliu. Outro pedaço. Mastigou, engoliu, comeu. Eu queria comê-la. Engoli-la. Ver ela engolir. Com biquinho. Era linda, deveria ser lindo de sê ver. Sem maionese, o meu. Ela gostava com. Deixou um poquinho no canto da boca. Eu vi. Ficou ali enquanto ela engolia. Maionese. Ela limpou depois. Brigitte Bardot. Comi meu xis. Acendi um cigarro. Fiquei matando tempo, para vê-la. Para vê-la comer. Para vê-la existir. Os caras disfarçavam. Eu também. Depois arrisquei mais. Fiquei encarando por um tempo. Um breve tempo. Ela me olhou. Eu vi. Ela viu. Os caras viram. Eu tremi. Sou um merda. Eu tremi. Brigitte Bardot. Desviei o olhar. Garrafa, mesa, parede, tragada. Sou um merda. Eu queria vê-la nua. Não ali. Podia ser. Imaginei ela nua. Ali, fora dali. Na minha cama, numa cama. Parecia não existir. Ela mordeu novamente. Mastigou, engoliu, bebeu um gole de refrigerente. Xis salada. Ela gosta de Xis Salada. Linda daquele jeito. Brigitte Bardot. Terminou o xis, o refrigerente. Depois pagou. Foi embora.


Foi embora.


Foi embora.


Foi embora.


Foi embora.


Brigitte Bardot. Eu sabia. Ninguém ali sabia.


Queria vê-la nua.


Xis Salada, com ovos.


Eu lhe mostraria.


Queria comê-la.


Brigitte Bardot. Eu sabia. Ninguém ali sabia. Aposto.


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quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Wiskow

Brigitte Bardot, pancadas e cinco mil


Jack escolheu esse nome depois de vê-lo estampado na capa de um livro. Buumm! Uurrff! O cruzado veio rápido e explodiu no lado esquerdo de seu rosto. Jack o Estripador, ele leu, e minutos depois Carlos decidiu denominar-se Jack, o Demolidor.

Nos segundo que se passaram Jack lembrou-se de Júlia. A loira que meteu-se em sua vida numa noite fria e estranha. Era uma Brigitte Bardot do Sul. O rosto, suave e lindo, um sorriso capaz de derrubá-lo, de deixá-lo sem defesas.

O nariz estourado, o gosto de sangue na boca e Jack só pensava em Júlia, sua Brigitte Bardot. O suave raio de sol banhando seu corpo, a promessa da felicidade. O sorriso, a boca absurdamente sensual.

O impacto, violento e seco jogou a cabeça de Jack para o lado como se ela fosse arrancar-se do pescoço. Alguma coisa balançou lá dentro. Era o cérebro.

As apostas pagavam 10 por 1 contra Jack. Jack era o azarão. Sempre foi, a vida inteira. Mas agora ele tinha Júlia. Júlia com seu rosto de Brigitte Bardot, e aquele corpo cuvilíneo, fresco como margaridas de alguma terra paradisíaca. Talvez vindo do próprio paraíso. Jack tinha Júlia e também sua dívida. Quatro mil reais. Júlia disse a ele há uma semana, deitada sob o velho lençol de pensão.

"Devo quatro mil reais". E com a mesma naturalidade de quem come um pedaço de pão com margarina continuou, "Se eu não pagar em uma semana eles me matam!" Jack sentiu o baque.

"QUATRO MIL REAIS", ele pensou. "Isso é uma fortuna para se conseguir em uma semana, em um mês, em meses".No dia seguinte, depois de uma transa com Júlia que só serviu para ele perceber que não viveria mais sem ela, o telefone tocou. Era Rodrigues. Ele tinha uma luta para Jack. "Consegui uma luta seu desgraçado, vença desta vez!", rosnou Rodrigues. "Se vencer você leva cinco mil pratas, é a luta da sua vida" Rodrigues nunca esteve tão certo.

Jack não ouviu quando um som metálico soou, havia apenas escuridão, Júlia e alguma coisa zunindo dentro da sua cabeça. Ele foi para o canto do ringue e tentou respirar um pouco.

Sexto round. Jack partiu para cima do adversário. Quadrinhos. Sem saber o porquê ele lembrou de quando desejava ser um quadrinista. Esquivou-se e algo passou rasgando sua orelha. Os primeiro esboços e as primeiras histórias que voltaram das editoras. Pum, pum, pum! Jack revidou e acertou três socos no baço do adversário. Cinco mil reais! Jack sempre fora um azarão. Júlia fumava um cigarro após o outro enquanto esperava Jack na escuridão do quarto. A luz fantasmagórica da televisão deixava Júlia mais misteriosa e sensual. Jack continuou batendo forte. Um counter punch, um uppercut. Isto, isto. Bater, bater e bater! Sua Brigitte Bardot do Sul. Caralho! Como uma mulher com um rosto e um corpo como aquele andava em botecos fodidos, misturada com aqueles caras.

Foi lá que Jack a viu pela primeira vez e trocou as primeiras palavras. Ela quase morreu de rir. "Um boxeador!". "Você é o primeiro boxeador que vejo em toda minha vida, ha,ha,ha". "Gostava do Mike Tyson, antes dele perder pra todo mundo, claro", disse ela. Jack sorriu e era bom sorrir. Ela o fazia sorrir facilmente.

Jack esquivou-se, dançou o corpo para direita e soltou um guancho de esquerda como ele nunca havia feito. PUUUMMMM!! O cara cambaleou atordoado, os lábios inchados de Jack desenharam um sorriso e ele saltou sobre o adversário como um tigre faminto. PUMPUMPUMPUM!! O cara tombou. Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez! Jack venceu e sorriu, ou tentou. A visão embaçada transformara tudo ao seu redor em espectros. Jack engoliu mais uma bola de sangue enquanto um homem levantava seu braço proclamando-o vencedor.

No bar próximo ao ginásio Jack bebia um café. O corpo doía mas ele se sentia muito bem. Jack deu o último gole e tirou uma nota de cinco reais do bolso.

- Fique com o troco, amigo - disse ele para o garçom. "Tenho cinco mil reais na carteira e minha Brigitte Bardot está me esperando", pensou antes de partir.