quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Wiskow

Brigitte Bardot, pancadas e cinco mil


Jack escolheu esse nome depois de vê-lo estampado na capa de um livro. Buumm! Uurrff! O cruzado veio rápido e explodiu no lado esquerdo de seu rosto. Jack o Estripador, ele leu, e minutos depois Carlos decidiu denominar-se Jack, o Demolidor.

Nos segundo que se passaram Jack lembrou-se de Júlia. A loira que meteu-se em sua vida numa noite fria e estranha. Era uma Brigitte Bardot do Sul. O rosto, suave e lindo, um sorriso capaz de derrubá-lo, de deixá-lo sem defesas.

O nariz estourado, o gosto de sangue na boca e Jack só pensava em Júlia, sua Brigitte Bardot. O suave raio de sol banhando seu corpo, a promessa da felicidade. O sorriso, a boca absurdamente sensual.

O impacto, violento e seco jogou a cabeça de Jack para o lado como se ela fosse arrancar-se do pescoço. Alguma coisa balançou lá dentro. Era o cérebro.

As apostas pagavam 10 por 1 contra Jack. Jack era o azarão. Sempre foi, a vida inteira. Mas agora ele tinha Júlia. Júlia com seu rosto de Brigitte Bardot, e aquele corpo cuvilíneo, fresco como margaridas de alguma terra paradisíaca. Talvez vindo do próprio paraíso. Jack tinha Júlia e também sua dívida. Quatro mil reais. Júlia disse a ele há uma semana, deitada sob o velho lençol de pensão.

"Devo quatro mil reais". E com a mesma naturalidade de quem come um pedaço de pão com margarina continuou, "Se eu não pagar em uma semana eles me matam!" Jack sentiu o baque.

"QUATRO MIL REAIS", ele pensou. "Isso é uma fortuna para se conseguir em uma semana, em um mês, em meses".No dia seguinte, depois de uma transa com Júlia que só serviu para ele perceber que não viveria mais sem ela, o telefone tocou. Era Rodrigues. Ele tinha uma luta para Jack. "Consegui uma luta seu desgraçado, vença desta vez!", rosnou Rodrigues. "Se vencer você leva cinco mil pratas, é a luta da sua vida" Rodrigues nunca esteve tão certo.

Jack não ouviu quando um som metálico soou, havia apenas escuridão, Júlia e alguma coisa zunindo dentro da sua cabeça. Ele foi para o canto do ringue e tentou respirar um pouco.

Sexto round. Jack partiu para cima do adversário. Quadrinhos. Sem saber o porquê ele lembrou de quando desejava ser um quadrinista. Esquivou-se e algo passou rasgando sua orelha. Os primeiro esboços e as primeiras histórias que voltaram das editoras. Pum, pum, pum! Jack revidou e acertou três socos no baço do adversário. Cinco mil reais! Jack sempre fora um azarão. Júlia fumava um cigarro após o outro enquanto esperava Jack na escuridão do quarto. A luz fantasmagórica da televisão deixava Júlia mais misteriosa e sensual. Jack continuou batendo forte. Um counter punch, um uppercut. Isto, isto. Bater, bater e bater! Sua Brigitte Bardot do Sul. Caralho! Como uma mulher com um rosto e um corpo como aquele andava em botecos fodidos, misturada com aqueles caras.

Foi lá que Jack a viu pela primeira vez e trocou as primeiras palavras. Ela quase morreu de rir. "Um boxeador!". "Você é o primeiro boxeador que vejo em toda minha vida, ha,ha,ha". "Gostava do Mike Tyson, antes dele perder pra todo mundo, claro", disse ela. Jack sorriu e era bom sorrir. Ela o fazia sorrir facilmente.

Jack esquivou-se, dançou o corpo para direita e soltou um guancho de esquerda como ele nunca havia feito. PUUUMMMM!! O cara cambaleou atordoado, os lábios inchados de Jack desenharam um sorriso e ele saltou sobre o adversário como um tigre faminto. PUMPUMPUMPUM!! O cara tombou. Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez! Jack venceu e sorriu, ou tentou. A visão embaçada transformara tudo ao seu redor em espectros. Jack engoliu mais uma bola de sangue enquanto um homem levantava seu braço proclamando-o vencedor.

No bar próximo ao ginásio Jack bebia um café. O corpo doía mas ele se sentia muito bem. Jack deu o último gole e tirou uma nota de cinco reais do bolso.

- Fique com o troco, amigo - disse ele para o garçom. "Tenho cinco mil reais na carteira e minha Brigitte Bardot está me esperando", pensou antes de partir.

3 comentários:

André Ferrer disse...

Ótimo Wis! Devo dizer para o pessoal que quinzenalmente teremos uma nova boa história do gaúcho por aqui. Histórias de homens minúsculos e mulheres... gigantes!

Bianca Feijó disse...

Nossa, que inspiração e imaginação.
Lindo conto...conto aquele que desde do início já estamos ansiosos pelo final.

Beijos da Gaúcha de Canela!

Anônimo disse...

Gosto dessa franqueza do Wiskow, da abordagem dos sentimentos humanos, dissecados pelo cotidiano.
Belo conto, que me remeteu a angústia da personagem de Servidão Humana, também amando a outro mais que a si mesmo. Parabéns!